Como nos namoros ou quando nascem crianças, ainda estou na fase de contar os dias. Ora bem… estou por cá há dois dias, aproximadamente 35 horas, e tenho de fazer um esforço enorme para não escrever ‘por terras de sua majestade’ cada vez que me refiro ao país.
A foto abaixo é da casita onde estou. A minha janela da sala é a que está com cortinados descidos, no andar de baixo. Esta arquitectura cor de tijolo é pesada na vista, mas tem alguma beleza. E como o tempo soalheiro continua, está-se bem.
Hoje tive de ir ao escritório mostrar o passaporte, para verificarem que posso trabalhar em terras de sua majestade (e vai um) sem precisar de visto. Logo depois de isso ter ficado tratado, ligaram-me do banco, para falar sobre a abertura de conta. Lá falámos das coisas e dos pormenores e dados necessários, e reparei que a pessoa do outro lado parecia conseguir pronunciar bem o meu nome, apesar de com um sotaque estranho. Passados 15 minutos de conversa, solta uma exclamação e diz “Eh pah finalmente, acabou o tempo da gravação, posso falar em português! Olá João!”. Isto já não me devia surpreender… Estava afinal a falar com o Rui a trabalhar para o NatWest International, madeirense com sotaque bem vincado – e eu a soletrar-lhe o meu nome minutos antes… p e d r o “pêdrô”… ai. A partir daí foi “tu cá, tu lá”, nada de formalidades para inglês ouvir :).
Em Londres ouve-se falar muito português, mas no regresso ao centro de Reading ouvi falar português 3 vezes, em pessoas com quem me cruzei. E ao comprar comida no food court do Marks&Spencer, um casal novo também não escondia a nacionalidade. Estive para meter conversa, mas estavam a discutir, e quando ela diz que ele «é sempre a mesma coisa e que estava a falar com ela com tom de voz irritado», pareceu-me que era melhor deixar para depois. Ele teria agradecido, no entanto, estava a levar na cabeça.
Aproveitámos a tarde para fazer algum reconhecimento. Encontrámos um mercadinho de rua (fracote), fomos experimentar o food court do Marks&Spencer (arrumadinho, pareceu ser mais caro mas talvez mais selecto que o Sainsburys), achámos um talho (… do Kenya) e uma peixaria (o homem parecia mesmo português), uma loja de produtos orientais (onde comprámos uns noodles e uns chocolates de macha!) e outra de produtos polacos (que nem etiquetas em inglês têm). Tudo marcadinho no GPS!
E constatei ainda o hábito britânico de fins de tarde em pubs ou wine bars: tudo cheio, e das (poucas) esplanadas nem se fala.
Interlúdo de ajuda ao consumidor expatriado
No sentido de ajudar eventuais futuros emigrantes, aqui fica a rúbrica semanal “COMIDA DE CÁ”, em que uma equipa de cozinheiros, epicuristas, hedonistas e paladaristas com a melhor escola da comida nacional (bitoques, bacalhau cozido com grão, tremoços e sardinhas) identificam produtos locais de gosto equivalente.
Interlúdio não turístico
Caminhar pelas ruas aqui é muito parecido com fazê-lo em Londres, mas a uma escala menor. Muitas línguas diferentes, pessoas de diferentes origens – obviamente muita gente da Índia –, e uma multiculturidade que me impressionou desde as primeiras visitas. A quantidade de amigos e conhecidos que por aqui tenho e continuo a descobrir quase a cada dia torna muito claro que a minha mudança é apenas mais uma da de muitos muitos milhares, mas atenua também o sentimento de distância. Londres não é Singapura.
Emocionalmente, sinto-me como que em férias. Começo a trabalhar na 2ªf, a fazer algo que nunca fiz antes, mas com confiança de que vai correr bem. E mesmo que não corra, de aprender ninguém me safa.
Nunca me considerei um “patriota”, mas a verdade é que o país onde nasci me fez, e que está cheio de coisas que pessoas e experiências (e memórias) que são indissociáveis de quem sou. Se fossemos eternos seria diferente, mas não somos, e uma saída como esta não deixa de significar um adeus, mesmo que na realidade seja um até breve. O meu caminho daqui para a frente, nos próximos anos, é diferente. Não ajuda nada ficar a olhar pelo retrovisor, se o que me pode enriquecer mais está para a frente.
Recentemente lembrei-me de uma entrevista que ouvi há uns 6 anos na TSF, a um fotógrafo português a viver nos Estados Unidos. Após algumas perguntas, o jornalista pergunta-lhe se não tencionava voltar a Portugal, tendo a resposta sido negativa. Depois de mais perguntas, a pergunta é repetida, e dessa vez o fotógrafo responde mais assertivamente e com uma tom de irritação na voz: “oiça, porque quereria voltar a um sítio que já conheço?”. Este parece-me o melhor motivo para sair.
Há dias entrei no elevador, no meu prédio, ao mesmo tempo que o casal vizinho da porta ao lado. Comecei a contar-lhes que me ia embora na 4ªf, e ele não me deixou concluir: «olha, nem vale a pena continuares, nós vamo-nos embora na 2ªf, para Amsterdão. Já estive um ano em Gibraltar, agora vamos definitivamente embora deste país “#%&”#$». E na segunda-feira, uma empresa de mudanças embalava todo o recheio e mobiliário da casa.
O que raios está a acontecer? A explicação para isto deve estar aqui. É que não é só a malta mais nova, sequer! Se for pelo mesmo motivo do fotógrafo, no entanto, isso já me deixa feliz.
E dizia eu que não sou patriota - e não só isso, detesto a palavra, e a noção de fronteiras. Qual é a palavra certa?
Acabo esta posta com duas faixas, por curiosidade ambas dos Oquestrada, mas ambas me vieram à mente ao escrever isto. A primeira dá-me uma certa nostalgia de falta de rumo, a segunda parece-me alusiva a quem fica no país – como os meus pais fizeram, mesmo no Portugal pré 25 de Abril.
Eu só acho, efectivamente, que deverias ter interrompido a discussão do casal português no food court do Marks&Spencer. É que repara: Ias definitivamente ganhar mais um amigo para a vida. E quando se está a começar "de novo" nunca são demais todos os novos (e eternamente agradecidos) amigos que possamos ter ao lado :)
ResponderEliminarObrigadinha pela risada que ja dei hoje neste que é o segundo (de 10 previstos) dia de chuva que se abateu em Lisboa.
E abraços em vocês.