quinta-feira, 5 de maio de 2016

Your friendly consumer advocate (day 2)

Como nos namoros ou quando nascem crianças, ainda estou na fase de contar os dias. Ora bem… estou por cá há dois dias, aproximadamente 35 horas, e tenho de fazer um esforço enorme para não escrever ‘por terras de sua majestade’ cada vez que me refiro ao país.

A foto abaixo é da casita onde estou. A minha janela da sala é a que está com cortinados descidos, no andar de baixo. Esta arquitectura cor de tijolo é pesada na vista, mas tem alguma beleza. E como o tempo soalheiro continua, está-se bem.

a nossa casa temporária

Hoje tive de ir ao escritório mostrar o passaporte, para verificarem que posso trabalhar em terras de sua majestade (e vai um) sem precisar de visto. Logo depois de isso ter ficado tratado, ligaram-me do banco, para falar sobre a abertura de conta. Lá falámos das coisas e dos pormenores e dados necessários, e reparei que a pessoa do outro lado parecia conseguir pronunciar bem o meu nome, apesar de com um sotaque estranho. Passados 15 minutos de conversa, solta uma exclamação e diz “Eh pah finalmente, acabou o tempo da gravação, posso falar em português! Olá João!”. Isto já não me devia surpreender… Estava afinal a falar com o Rui a trabalhar para o NatWest International, madeirense com sotaque bem vincado – e eu a soletrar-lhe o meu nome minutos antes… p e d r o “pêdrô”… ai. A partir daí foi “tu cá, tu lá”, nada de formalidades para inglês ouvir :).

Em Londres ouve-se falar muito português, mas no regresso ao centro de Reading ouvi falar português 3 vezes, em pessoas com quem me cruzei. E ao comprar comida no food court do Marks&Spencer, um casal novo também não escondia a nacionalidade. Estive para meter conversa, mas estavam a discutir, e quando ela diz que ele «é sempre a mesma coisa e que estava a falar com ela com tom de voz irritado», pareceu-me que era melhor deixar para depois. Ele teria agradecido, no entanto, estava a levar na cabeça.

Estação de comboio

Aproveitámos a tarde para fazer algum reconhecimento. Encontrámos um mercadinho de rua (fracote), fomos experimentar o food court do Marks&Spencer (arrumadinho, pareceu ser mais caro mas talvez mais selecto que o Sainsburys), achámos um talho (… do Kenya) e uma peixaria (o homem parecia mesmo português), uma loja de produtos orientais (onde comprámos uns noodles e uns chocolates de macha!) e outra de produtos polacos (que nem etiquetas em inglês têm). Tudo marcadinho no GPS!
E constatei ainda o hábito britânico de fins de tarde em pubs ou wine bars: tudo cheio, e das (poucas) esplanadas nem se fala.

Interlúdo de ajuda ao consumidor expatriado

No sentido de ajudar eventuais futuros emigrantes, aqui fica a rúbrica semanal “COMIDA DE CÁ”, em que uma equipa de cozinheiros, epicuristas, hedonistas e paladaristas com a melhor escola da comida nacional (bitoques, bacalhau cozido com grão, tremoços e sardinhas) identificam produtos locais de gosto equivalente.

Leite
Leite magro. Sabe bem, quase igual ao nacional. Quantidade 4 pints (2.272 litros, como diz no rótulo, sendo de salientar os 3 dígitos da conversão de unidades…).
NOTA CONSUMIDOR: 5 jotas.

Manteiga
Manteiga irlandesa. Comprei fazendo uma analogia mental com a qualidade da dos Açores, mas é convencional e com pouco sal.
NOTA CONSUMIDOR: 2 jotas.

Macha
Esta é de inspiração da viagem ao Japão. Palitos de chocolate de Macha, o chá verde que por lá se bebe!
NOTA CONSUMIDOR: 5 jotas (já acabaram?)

Queijo picante!
Queijo cheddar com “diablo chilli”? qualquer coisa que tenha “diablo chilli” promete ser interessante, a menos que seja framboesa de abacate com beterraba e diablo chilli, claro.
NOTA CONSUMIDOR: 4 jotas.

 

Interlúdio não turístico

Caminhar pelas ruas aqui é muito parecido com fazê-lo em Londres, mas a uma escala menor. Muitas línguas diferentes, pessoas de diferentes origens – obviamente muita gente da Índia –, e uma multiculturidade que me impressionou desde as primeiras visitas. A quantidade de amigos e conhecidos que por aqui tenho e continuo a descobrir quase a cada dia torna muito claro que a minha mudança é apenas mais uma da de muitos muitos milhares, mas atenua também o sentimento de distância. Londres não é Singapura.

Emocionalmente, sinto-me como que em férias. Começo a trabalhar na 2ªf, a fazer algo que nunca fiz antes, mas com confiança de que vai correr bem. E mesmo que não corra, de aprender ninguém me safa.

Nunca me considerei um “patriota”, mas a verdade é que o país onde nasci me fez, e que está cheio de coisas que pessoas e experiências (e memórias) que são indissociáveis de quem sou. Se fossemos eternos seria diferente, mas não somos, e uma saída como esta não deixa de significar um adeus, mesmo que na realidade seja um até breve. O meu caminho daqui para a frente, nos próximos anos, é diferente. Não ajuda nada ficar a olhar pelo retrovisor, se o que me pode enriquecer mais está para a frente.


Recentemente lembrei-me de uma entrevista que ouvi há uns 6 anos na TSF, a um fotógrafo português a viver nos Estados Unidos. Após algumas perguntas, o jornalista pergunta-lhe se não tencionava voltar a Portugal, tendo a resposta sido negativa. Depois de mais perguntas, a pergunta é repetida, e dessa vez o fotógrafo responde mais assertivamente e com uma tom de irritação na voz: “oiça, porque quereria voltar a um sítio que já conheço?”. Este parece-me o melhor motivo para sair.

Há dias entrei no elevador, no meu prédio, ao mesmo tempo que o casal vizinho da porta ao lado. Comecei a contar-lhes que me ia embora na 4ªf, e ele não me deixou concluir: «olha, nem vale a pena continuares, nós vamo-nos embora na 2ªf, para Amsterdão. Já estive um ano em Gibraltar, agora vamos definitivamente embora deste país “#%&”#$». E na segunda-feira, uma empresa de mudanças embalava todo o recheio e mobiliário da casa.

O que raios está a acontecer? A explicação para isto deve estar aqui. É que não é só a malta mais nova, sequer! Se for pelo mesmo motivo do fotógrafo, no entanto, isso já me deixa feliz.

E dizia eu que não sou patriota - e não só isso, detesto a palavra, e a noção de fronteiras. Qual é a palavra certa?

Acabo esta posta com duas faixas, por curiosidade ambas dos Oquestrada, mas ambas me vieram à mente ao escrever isto. A primeira dá-me uma certa nostalgia de falta de rumo, a segunda parece-me alusiva a quem fica no país – como os meus pais fizeram, mesmo no Portugal pré 25 de Abril.

 

1 comentário:

  1. Eu só acho, efectivamente, que deverias ter interrompido a discussão do casal português no food court do Marks&Spencer. É que repara: Ias definitivamente ganhar mais um amigo para a vida. E quando se está a começar "de novo" nunca são demais todos os novos (e eternamente agradecidos) amigos que possamos ter ao lado :)

    Obrigadinha pela risada que ja dei hoje neste que é o segundo (de 10 previstos) dia de chuva que se abateu em Lisboa.

    E abraços em vocês.

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